UM FATO MARCANTE NO VELÓRIO DO
PAI DE PROMONTÓRIO CAPELINO DE SOUZA
por Lexy Soares
Aquele dia não fora como os demais em minha vida.
Ele estava fadado a marcar definitivamente todo meu passado e futuro.
Eu, Promontório Capelino de Souza, tenho comigo que este é um dos dias que nunca vou me esquecer, é o dia em ele morreu.
Não que tenha sido um bom pai, muito pelo contrário, foi uma péssima pessoa. O tipo de homem que batia na mulher, e nem ligava pros filhos. Por isso, eu nem gostava dele. Mas nunca vou me esquecer do dia em que ele morreu.
Estava quente naquele dia, o tipo de calor que só quem nasceu no nordeste consegue suportar. Apesar de eu não ter sentido pena pelo falecimento de meu pai, tive que comparecer ao velório, claro, como manda a boa educação e respeito. Então, lá estava eu, andando de um lado pro outro, observando os parentes e amigos, que vinham me cumprimentar, e dar os pêsames. Eu fingia que estava sentindo pesar, pra não ser mal-educado.
Vários parentes que nunca vinham nos visitar estavam lá. Talvez pra se certificarem de que ele estava mesmo morto, não sei. Também tinha muitos amigos dele. Eu só ouvia comentários do tipo "Ele era uma ótima pessoa", "Ele vai fazer falta", "Um homem bom como ele não se encontra todo dia", Nem parecia que estavam falando do mesmo homem que eu conheci, que só falava comigo quando era pra exigir alguma coisa, e ai de mim se eu não obedecesse!
Num cantinho, uma tia chorava como uma bezerra desmamada, sempre com algum outro parente a lhe oferecer um braço como consolo, e um lenço limpo pra ela enxugar as lágrimas.
Como meu pai morreu,é mais um exemplo de como sua vida era devotada às besteiras inúteis.Ele morreu lutando por nosso jornalista Aristarco Vieira de Melo,o dono do jornal "Os Sertões",o qual meu pai,um leitor assíduo,comprava todos os sábados.E,assim como os fiéis da igreja Jesus Virá,Aleluia!...,meu pai acatava todas as opiniões contidas no jornal com se fossem leis absolutas.
E,por isso,quando Aristarco começou uma série de provocações contra o músico Talinho Malino de Menezes,meu pai,como um fiél seguidor do jornalista,falava mal do músico,mesmo que nunca tenha ouvido uma música sequer dele.
Aristarco,como a mairoria dos honens que conseguem grandes cargos na sociedade,usava e abusava de sua condição.Como dono do jornal,se fazia o responsável por tudo o que aconecia na cidade.Como se o fato de noticiá-las o tornasse o dono dos ocorridos.Quando um determinado evento ocorria na cidade,o sucesso,segundo ele, era consequência de seu empenho em exibir Curiapeba em seu jornal."Uma cidade só cresce quando sua história é registrada e noticiada!",ele costumava dizer.E,se alguém discordasse de qualquer coisa publicada,ou por qualquer outro motivo,se tornasse um desafeto do dono do jornal,ele publicava uma nota mencionando como a pessoa agia com má fé contra os modos da cidade.
E, como tambem acontece com homens de grande posição,ele arregimenta uma legião de cegos seguidores.Como meu pai.
Só de ler que Talinho estava misturando a música caribenha com a música brasilçeira,meu pai já esbravejava que isso era cuspir na cultura nacional,um desrespeito aos nosso verdadeiros costumes,e outras sentenças,repetidas quase exatamente como eram redigidas no jornal.
Foi isso que o fez ser morto,naquela tarde de sábado,na praça das boiadas,em meio àquela algazarra toda que se instalou no centro de Curiapeba.Foram socos pra um lado,pontapés pra outro,gente correndo e se escondendo.E duas mortes,entre as quais,meu pai.
Aristarco Vieria de Melo,o herói que meu pai defendia,após levar os primeiros sopapos dos defensores de Talinho,fugiu,e se escondeu nos fundos do bar do João Emílio Krauser,ele nem deve ter visto o que aconteceu, enquanto a população de Curiapeba demolia o centro da cidade,cada grupo defendendo um dos lados da bruiga.
Meu pai devia estar no bar do João Emílio,bebendo catilóia.Provavelmente,ele deve ter ficado enjuriado ao ver seu ídolo todo esfolado,e entrou na briga,que só acabou quando os tiros para o alto do coronel Benvindo dos Santos Arruda Real se fizeram ouvir.
Quando a poeira assentou,e os dois corpos foram levados para suas respectivas casas(coincidentemente,um dos mortos defendia Talinho,o outro,o meu pai,defendia Aristarco),as pessoas se fizeram sentir pelo jumento esfaqueado,mas os mortos,só as famílias sentiram,os outros,nem devem se lembrar que duas pessoas morreram ali.
O jornal Os Sertões,que meu pai tanto adorava,noticiou o fato,mencionou a morte do jumento,mas não mencionou nomes dos homens mortos.É isso que meu pai ganhou por ter entrado na briga de quem nem sequer o conhecia.Mas duvido que Aristarco iria ao velório de meu pai,mesmo que o conhecesse.
Mas ,vamos voltar ao que eu realmente quero contar sobre o velório de mau pai:
Eu estava cansado, e com calor. Não queria estar ali. Mas tinha que estar.
De repente, entra no recinto uma senhora, que eu não conhecia, acompanhada de uma moça lindíssima. Morena, com cabelos volumosos, lábios carnudos, que mais pareciam uma flor, olhos grandes, e um corpo cheio de curvas, do tipo que deixa qualquer mancebo de cabeça virada. Todos os homens que ali estavam olharam pra moça, apesar de ter que manter o respeito pelo finado.
A senhora entrou, aproximou-se para ver o corpo, e cumprimentou alguns dos presentes. E eu fiquei curioso em saber de quem se tratava.
Eu cheguei a minha mãe, mas, pra não dar na vista, usei de um pequeno subterfúgio:
- Mâinha, quem é aquela senhora que acabou de entrar?
- Num sei, não, meu filho. Dispois eu pergunto.
Enquanto isso, eu continuava curioso em saber quem era aquela moça tão bela.
Eu andava de um lado pra outro, sempre "esbarrando" em algum amigo do meu pai, ou algum parente, que me abraçava, ou apertava minha mão, se demorando por algum tempo, pra me contar alguma história vivida com meu pai, como se eu estivesse interessado. E, pra não ser mal-educado, eu fingia interesse. Mas eu nem sequer ouvia, meu olhar estava na moça. Eu dava uma espiada rápida, disfarçadamente, pra onde ela estava. Eu não queria perdê-la de vista. Queria aproximar-me dela, e perguntar quem ela era, como alguns dos homens já estavam fazendo. Mas eu tinha que dar atenção pra todos os parentes, tinha que fingir que estava sentindo a morte de meu pai, não podia me aproximar da moça sem dar na vista das pessoas.
Quando finalmente, me livrei do amigo de meu pai, e sua história fascinante de alguma aventura qualquer de adolescente com meu pai, meu olhar procurou a moça. Mas não a achei.
Droga! Eu a tinha perdido.
Mas ouvi a voz atrás de mim:
- Olá!
Virei-me, e lá estava ela, que me estendeu a mão.
- Meus pêsames pela morte de seu pai.
- Obrigado.
Retribui o aperto de mão. E não resisti em perguntar:
- Você conhecia meu pai?
- Não, eu não. Eu só estou aqui pra acompanhar minha tia. Ela conheceu o seu pai, quando ele era moço.
Ao dizer isso, ela deu um breve sorriso. Um lindo sorriso. Eu, então, aproveitei.
- Meu nome é Promontório Capelino de Souza. - eu disse, estendendo novamente minha mão.
- E o meu é Imbromélia Cromilda Adelaide. Muito prazer!
Depois disso, passamos o velório todo conversando, e nos conhecerndo melhor. Depois do funeral, combinamos de sair. Ficamos noivos em pouco tempo, e hoje, somos casados, e temos três filhos.
Por isso, sempre que chega o aniversário da morte de meu pai, eu agradeço. Ele pode ter sido um péssimo pai, mas pelo menos, sua morte foi um dia especial pra mim, pois foi onde eu conheci Imbromélia, a mulher da minha vida.
Marcadores
TIRAS
(813)
HQ
(232)
INSPETOR
(185)
LEXY COMICS
(124)
RESENHAS
(112)
PORTFÓLIO
(64)
CARTUM
(53)
LEITMOTIV
(30)
LAMPIÃO
(20)
LEXY DRIVER
(20)
AUGUSTO
(16)
CINEMA
(15)
CONTOS
(15)
FRANKENSTEIN200
(8)
TEATRO
(7)
FRANKENSTEIN
(5)
ROTEIROS
(5)
ARTES PLÁSTICAS
(3)
FIM DA LINHA
(3)
FOTOS
(3)
OFICINA
(3)
Rapto do Craque
(3)
Rádio Robô
(1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário