A cada novo lançamento da coleção
Graphic MSP, o primeiro impulso é o
de comparar com as edições anteriores. Ao meu ver(não sei se todos concordam),
“Astronauta Magnetar” e “Laços” sem querer, estabeleceram um parâmetro para os
álbuns seguintes: ou são uma releitura que vai bem longe do original, como
“Magnetar”, ou é fiel às originais, mas com um toque autoral, como “Laços”. A
maioria das críticas que tenho lido sobre a série parecem apontar isso. Mas,
fechada a “primeira fase” das Graphics, chega as bancas “Bidu – Caminhos” que
mostra que as histórias são maias do que apenas isso.
Produzida por Eduardo Damasceno e
Luís Felie Garrocho, a dupla que produziu “Achados
e Perdidos”, a primeira HQ nacional financiada pelo Catarse, Bidu é uma
história que, a primeira vista, pode contradizer a teoria que apresentei no
parágrafo anterior, pois ela é basicamente uma forma autoral de recontar o
primeiro encontro do Bidu com o seu dono Franjinha. Mas ela vai muito além
disso. Primeiramente, o Franjinha é quase um coadjuvante na revista. Sim, ele
aparece, e com certa importância pra história, mas o Bidu, que dá título à
revista, é o verdadeiro protagonista.
A história mostra o Bidu como um
cachorro de rua, que vive em um ferro velho. Expulso de sua “casa” por Rúfius,
outro cachorro de rua, grande e bravo, ele vaga pelas ruas, até ter uma ideia:
se deixar ser apanhado pela carrocinha. Assim, ele ao menos terá um teto e
comida. Aqui cabe um adendo: ótima ideia dos autores de mostrar o canil como um
lugar que cuida bem dos cachorros, bem diferente do que se costuma ver em
histórias, que mostra canis como presídios pra animais, e seus funcionários
como carcereiros cruéis. Aqui, os funcionários são boas pessoas, e o canil mais
parece um spa pra cachorros. Bidu não é o único cão capturado pela carrocinha,
mas Rúfius acaba indo parar lá também. Agressivo, um dia ele arma uma fuga. E
vão juntos Bidu, e Duque, um cachorro que sente falta de sua dona.
A partir daí, a história é sobre
a fuga deles, e como esse breve relacionamento entre os três promove uma leve
mudança em suas vidas. Em especial, caro, Bidu, que parece reavaliar sua vida
como um errante solitário.
E, ao mesmo tempo, em um toque
simples mas genial dos autores, Franjinha, como um coadjuvante, vai seguindo
sua trajetória paralelamente. Ele abre a revista falando com sua mãe que quer
ter um amigo: um robô, ou um cachorro. Sua mãe o ajuda, e, nas “pausas” da
trama do Bidu, é mostrado como sua aventura em busca de um cãozinho se
desenrola. Genial, pois em cada aparição, é contada apenas uma parte da trama
maior que o Franjinha planeja. E os fatos mostrados não parecem ter ligação com
isso. Mas só aparentemente.
Outra grande sacada é o uso dos
recursos da linguagem gráfica empregada pela dupla de autores. Assim como nas
obras de Will Eisner, aqui as onomatopeias não estão apenas indicando sons, mas
fazem parte do cenário e dos “objetos”. Um belo exemplo é quando Bidu esta com
fome, e o “som” de seu estômago roncando agarra e aperta sua barriga. Outro ótimo
recurso são as “falas”dos cachorros. Ao invés de palavras, os cães da HQ falam
através de imagens. O que eles estão falando aparece desenhado nos balões de
diálogo. Além de visualmente bacana, esse recurso faz com que os animais não se
fiquem antropomorfizados, mas continuem sendo cachorros durante toda a HQ. E
até denota a personalidade de cada um deles. Rúfius, por exemplo, “fala”através
de diagramas de projetos. O que faz o leitor identificar nele uma atitude de
falsa intelectualidade, um ar superior de quem apenas acha que está falando de
forma inteligente, mas que não consegue se fazer entender pelos interlocutores.
Seguindo esse mesmo raciocínio, é interessante notar como Duque é mais
detalhista em seus diálogos, e Bidu fala com poucas imagens. Cada qual com sua
personalidade, como eu disse.
Com uma história digna das
animações que são indicadas ao Oscar, todas essas qualidades fazem de Bidu
Caminhos uma leitura imperdível!
Originalmente publicada em: http://artecompipoca.net/index.php/bidu-caminhos-resenha/
Nenhum comentário:
Postar um comentário