Uma HQ nacional biográfica e, de certo modo, metalinguística, que conta a história de sua própria produção, surgida de um encontro do autor com Lourenõ Mutarelli. Recomendadíssima!
INSPIRAÇÃO
Ultimamente, eu tenho me
divertido muito mais com hq’s nacionais independentes do que com muita coisa
estrangeira. Mesmo quando é algo alardeado como “o máximo da HQ atual”, parece
que as expectativas não são alcançadas. Já com as nacionais, acontece o
contrário, não espero uma grande obra, e acabo gostando bastante. Claro que, ao
contrário de muitos leitores, eu tenho me interessado mais por histórias
alternativas do que pelo “blockbuster quadrinhístico”.
Assim, claro que uma obra como
INSPIRAÇÃO – DEIXA ENTRAR SOL NESSE PORÃO, de Camilo Solano iria me agradar.
A história parte de uma proposta
interessante, apesar de, aos desavisados, não parecer nem um pouco original:
Camilo precisava fazer um TCC em forma de HQ, e decidiu adaptar um conto pra linguagem
sequencial. Nenhuma novidade? Ok, mas o que aconteceu é que ele resolveu
desenhar todo o processo, como um “making of”, e acabou não adaptando conto
algum, mas fazendo do próprio processo da produção a sua HQ.
Enquanto queria fazer uma
adaptação, Camilo escolheu Lourenço Mutarelli como o autor que seria adaptado.
Conseguiu o telefone dele, encontrou-se pessoalmente com seu ídolo, mas não
conseguiu que ele escrevesse nada pra ser adaptado. Talvez por isso, a HQ tenha
virado a obra sobre o processo. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, o
resultado final não fica parecendo com “um acidente criativo”, pelo contrário.
A identidade dessa história, e o carinho e sinceridade que o autor coloca em
cada página fazem parecer que desde o princípio, ela seria a sua história.
Como ele foi desenhando durante o
“percurso”, o traço foi se modificando pelas páginas. Mas ele sabiamente
decidiu não redesenhar as páginas. O que acaba por acrescentar mais clima a
cada cena. Faz com que a história ganhe personalidade, no sentido de ser uma
história com várias nuances. Desde as várias situações e momentos do personagem
principal (o próprio Camilo) como em pequenos eventos cotidianos sem grande
ligação com a trama, e as hq’s curtas que ele fez, e serviram de vinheta durante
a HQ. Um exercício quase de metalinguística. E que ajuda o leitor na passagem
do tempo, e nas transições da estrutura dramatúrgica da história.
A HQ possui três atos distintos:
a “preparação psicológica” para o encontro com Mutarelli, onde vemos o inseguro
desenhista tentando uma busca na forma em que produzirá sua HQ; O encontro com
o autor, onde quem conhece o Lourenço vai se divertir bastante vendo-o tão bem
retratado; e a volta pra casa, com Camilo
“mastigando” todo o ocorrido, tentando pensar em sua história.
Este terceiro ato, com cara de
anti-clímax, soa meio estranho á primeira lida. Como se Camilo Solano não
tivesse realmente uma ideia de como terminar sua HQ-diário. Mas ao refletir
melhor, percebemos que é o verdadeiro mote de INSPIRAÇÃO. Ele não tinha ideia
de que seu making of iria se tornar sua obra. E isso fica refletido nas
páginas. Precisamos acreditar, durante a leitura, que a “grande obra” seria a
adaptação de um conto do Lourenço. E, com isso, ficamos tão “perdidos” nesse
anti-clímax quanto Camilo deve ter se sentido enquanto decidia o que fazer
agora. Um final perfeito, graças á isso.
Toda em papel couchê, a revista
tem 66 páginas, em formato “magazine”, e custa apenas R$ 20,00. Um ótimo preço,
por uma excelente HQ!
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