Uma hq biográfica, sujo personagem se confunde com a história da Espanha do séc XX. Suas guerras, suas vitórias, e suas tragédias. leia minha crítica aqui:
A ARTE DE VOAR
Se eu tivesse lido esta HQ a
tempo, ela entraria na minha lista das melhores do ano passado, talvez em
primeiro lugar. Muito bom descobrir uma bela história, meio que por acaso, e
ser fisgado por uma leitura cativante, com uma história que nos toca fundo na
alma.
A ARTE DE VOAR é uma HQ espanhola, escrita por Antonio Altarriba, e desenhada por Kim. Em cerca de 200 páginas, ela conta a história da vida do pai
de Altarriba, que se suicidou no dia 04 de maio de 2001, se jogando da janela
da casa de repouso onde vivia. Se filho, sentindo ao mesmo tempo a dor da
perda, mas sentindo mais ainda a dor que seu pai sentia, e suas motivações para
o suicídio, decidiu contar toda a história de sua vida, suas aventuras, e como
elas o levaram à uma vida de velhice cheia de tristeza. Mas longe de ser uma
história depressiva sobre a morte, a história da vida dele é das mais
fascinantes que uma pessoa comum pode aspirar.
Antonio, o pai, nasceu em uma
vila rural da Espanha, onde “lutava” diariamente pra mudar de vida, cansado do
marasmo e niilismo da vida no campo. Ele queria uma vida ambiciosa, como a
maioria dos jovens, queria aventura. E, ao sair da vila, acabou tendo
participação, direta e indireta, nos grandes eventos que moldaram a história da
Espanha do século XX, como a Guerra Civil, e a ditadura do General Franco.
Contada em capítulos, cada qual
representado por um andar que seu pai teria passado na queda para a morte, as
histórias mostram algum momento da vida de Antonio enquanto mostra como era a
vida na Espanha durante esses anos difíceis. Vemos a ambição juvenil, as
durezas da vida adulta, e até mesmo a alienação da sociedade, que parece ter
esquecido da luta armada, aceitando a ditadura como algo comum em suas vidas.
No primeiro capítulo, o da juventude,
vemos Antonio como qualquer outro jovem, tentando levar uma vida melhor, a
busca de aventuras na cidade grande, empregos, garotas, e as amizades. Mas,
longe de ter algo comum, o autor foca nos eventos “extraordinários” da vida
dele, que moldaram sua personalidade inquieta, o que o levaram para uma vida
adulta como parte da resistência contra as forças do ditador direitista Franco,
no capítulo seguinte.
Enquanto enfrentavam os problemas
da Segunda Guerra, a Espanha também tinha seus problemas internos, com as
forças de Franco cada vez mais dominando o país, impondo uma ditadura que
tentava liquidar com a cultura local, acusando todos de comunistas, e tomando
as terras das famílias rurais, e obrigando os jovens a se alistarem no
exército. Nesse cenário, Antonio só quer tentar sobreviver, de todas as formas.
Ele vive em fuga, morando de favor em casas de amigos. Até entra para o
exército, mas acaba desertando, devido às explorações sociais que presencia.
Ele se junta à resistência,
combatendo os soldados de Franco, indo preso, fugindo, etc. Nesse capítulo,
chama atenção todo o calor humano entre os soldados da resistência. As
histórias de amizade, as descobertas. Parece que Antonio nunca teve uma vida,
onde pudesse descobrir o mundo, e sua vida nas lutas acaba sendo sua forma de
fazer essas descobertas, em grande parte “de segunda mão”, ouvido histórias de
seus amigos. Mesmo assim, Antonio é o protagonista de sua vida, vivendo as
aventuras da luta, entre outras, como poucos homens vivem.
É até triste quando o país muda,
após a consolidação do poder de Franco. Muitas pessoas, incluindo aí alguns que
lutavam contra o regime, se alienam , tentando viver como burgueses, praticando
as pequenas explorações capitalistas, e até mesmo negócios ilegais. Parece que toda
aquela luta foi em vão. Antonio tenta se adaptar á essa nova vida, se casando
tendo filhos, trabalhando em uma empresa. Mas, no fundo, ele começa a se sentir
como uma alma presa.
Esse é o foco do terceiro
capítulo. Depois de uma vida sem raízes, sempre indo de um lugar ao outro,
correndo, voando, lutando, a vida comum parece entediá-lo. Além dos motivos
óbvios, aprece que toda a alienação social o sufoca ainda mais.
E nada do que ele tenta fazer
parece aliviá-lo desse sofrimento. Acompanhamos Antonio começando a sofrer as
depressões da vida de meia idade.
O quarto capítulo mostra os
últimos anos de vida dele, em um asilo para idosos. Ele tenta se entregar à
velhice como todos os outros, mas algo dentro de si parece não querer se
entregar. Mas, infelizmente, o calor daquela vida cheia de aventuras não
consegue suportar a vida em clausura.
Antonio, o filho, conta a
história do pai se entregar a piedade que os anos derradeiros de seu pai o
influenciem a contar a história com tristeza e pesar. Pelo contrário, a vida de
seu pai é para o leitor das mais empolgantes. Chega a surpreender mesmo como
uma pessoa comum passa pela história sem ser lembrada nos livros juntamente com
os heróis conhecidos. Antonio Altarriba viveu e lutou de forma digna dos
grandes personagens históricos, e sua vida poderia passar despercebida se seu
filho não a contasse em essa bela Graphic Novel.
Kim, o desenhista, possui um
traço simples, leve, mas realista na medida para que as cenas e locais
retratados situe o leitor pela trama, ao mesmo tempo, utilizando de recursos
gráficos lúdicos para mostrar o simbolismo de passagens chave da história.
Uma leitura tocante, mas não no
sentido sentimental. Ela nos toca por seu ímpeto de bravura e aventura! A ARTE
DE VOAR foi publicada aqui pela Editora Veneta, e é sua primeira publicação em
quadrinhos no mercado. Esperemos que mais ótimos títulos sejam lançados.
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