Uma das hqs independentes mais bem escritas que li. Leia minha crítica aqui:
FADE OUT – SUICÍDIO SEM DOR
Um dos contemplados com o Proac
2011, esta HQ é uma grata surpresa pela narrativa que foge do que se vê na
maioria das hq’s atuais.
Atualmente, muitas hq’s estão
sendo lançadas, mas a maioria é feita de histórias que, apesar de excelentes,
não fogem muito do habitual. Esta FADE OUT – SUICÍDIO SEM DOR se diferencia
justamente por isso. Aqui, o leitor vai encontrar uma história diferente da
maioria. Tanto no tipo de história, quanto na forma como ela é narrada. Será
que é porquê o roteiro era pra ser de um filme, e que foi adaptado pra HQ?
Talvez, sim. Mas ficar imaginando isso como razão é desmerecer um pouco a
linguagem dos quadrinhos como meio artístico. Afinal, esta revista é ótima em
muitos aspectos que são exclusivos da linguagem da nona arte.
FADE OUT é um termo técnico
cinematográfico que significa o desaparecimento da imagem de forma lenta, indo
para o escurecimento. Um título que se ajustaria melhor para um filme, ao fazer
uma analogia ao suicídio do personagem. Mas que, como quadrinho, fica
interessante por si só. Na primeira página, vemos Kurt, o personagem principal,
em uma banheira, cheia de sangue. Ele acabou de morrer. Ou, como ele mesmo diz,
“finalmente, eu conseguir morrer.” Em seguida, a história retrocede para os
acontecimentos antes de sua morte. Não dá pra precisar quantos dias antes, mas
isso não atrapalha a história. Pelo contrário, é até melhor pra fazer com que o
leitor desfrute da trama. Talvez ficar em “contagem regressiva” para a morte do
protagonista desviaria o interesse do leitor.
O primeiro momento da história
mostra Kurt tentando se matar. Em um momento que pode fazer o leitor pensar que
a história é de humor negro, Kurt está no banheiro, com um revólver na mão,
pensando em várias coisas antes de se dar um tiro. Desde o que vai acontecer
com sua mãe, até sobre o gosto da arma. Até que no final, não consegue se
matar, e continua sua vida. Ele conhece Tiffany, tem problemas no trabalho,
mora sozinho com a mãe divorciada, nunca conheceu o pai, etc. Tudo parece meio
clichê, mas o roteirista acertou em não dar ao Kurt uma personalidade de rapaz
descolado que sofre bullying. Pelo contrário, Kurt está em paz com sua condição
de “rejeitado pela sociedade”, o que dá mais vida pra ele. Ele vive bem sua
vida, apesar da vontade de se matar no começo da história.
No decorrer da trama, parece que
sua vontade de se matar foi embora. Ele conhece Andy, uma garota com quem
parece ter muito em comum (apesar de estar namorando a Tiffany), vai atrás do
pai que nunca conheceu (e que provavelmente, o leitor vai concordar com a
atitude de Kurt em relação à ele, que, diga-se de passagem, palmas pro
roteirista, por mostrar uma decisão que foge dos clichês, e do que a sociedade
espera, e julga como “o certo”). E, pra acrescentar mais “ação” à história,
Kurt descobre que a polícia pode estar deixando passar um caso de um assassino
serial de assistentes sociais. Agora,
Kurt precisa descobrir se ele está certo quanto à isso, e encontrar o
assassino, visto que a polícia não tem interesse no caso, e sua mãe é uma
assistente social.
Mas ainda tem a questão de Kurt
ter que resolver seus problemas com Tiffany e Andy...
Beto Skubs se mostra um ótimo
roteirista. Talvez o único “pecado” da revista seja situar a história nos EUA.
Mas é algo tão sem importância pra trama, que o leitor só percebe que a
história se passa lá devido aos nomes dos personagens. A forma como tudo se
desenvolve, os modos de agir de todos os personagens durante a história, é tudo
tão fluído e natural, que ela pode acontecer em qualquer lugar do mundo.
Incluindo o Brasil. Mas na prática, isso é algo que não faz tanta diferença
assim.
O texto é muito bom em sua
construção narrativa, nos diálogos que não tentam ser explicativos (coisa rara
em qualquer HQ do mundo. Parece que hoje em dia os roteiristas acham que os
leitores só entendem a história se o personagem explicar cada passo que dá), e
ainda, o que mais me chamou atenção, a forma como as imagens são usadas pra
contar a história, mostrando coisas que as palavras não dizem. Há um quadrinho,
por exemplo, que mostra que um policial que Kurt conhece já teve (ou tem ) um
caso com sua mãe. Kurt não sabe disso, nem dá pistas desse fato. O leitor só
fica sabendo se notar com atenção ao quadrinho todo, e ver por uma janela a mãe
dele se vestindo, logo após o policial sair de casa.
Um outro grande trunfo está na
caracterização de todos os Personagens, em momento algum repetindo os clichês
do gênero. São todos tão bem construídos, o que dão uma vivacidade perfeita à
eles, que agem como pessoas reais . Nesse quesito, Kurt salva completamente a
história, por não se comportar como um adolescente deprimido, emo, ou nerd
perseguido pelo mundo. Ele tem personalidade própria, não segue nenhum tipo de “tribo” dos jovens.
Os desenhos são de Rafael De
Latorre, que seguem um estilo limpo, parecendo uma mistura do mangá com
americano, com uma pitada de linhas claras. Mais ou menos o estilo que Renato
Guedes segue, mas sem copiar nenhum dos desenhistas conhecidos. A minha única
ressalva é o fato de a mãe de Kurt parecer muito jovem. Mas aí, eu me lembro
que há muitas adolescentes engravidando, e imagino que essa deve ser a proposta
da criação visual dela, vai saber. De qualquer forma, nada que atrapalhe a
leitura.
Além do estilo do traço, De Latorre
é competente também na diagramação. Ele não se utiliza de recursos “de
impacto”, optando por uma diagramação tradicional, e com muitos quadros com
pouquíssimos cenários, de acordo com o clima que o enredo transmite na cena.
Uma arte que casa perfeitamente com as cores de Marcelo Maiolo (colorista que
também trabalha na DC Comics). Essas alternam páginas de cores quentes com
frias, de acordo com o tom da trama. Essas mesmas alternâncias servem pra
separar os momentos de “devaneios” de Kurt, com os momentos de interação com
outras pessoas, ou mesmo os de maior tensão e suspense.
Sobre essas “alternâncias”, o
casamento texto/arte é perfeito, e faz com que o leitor imagine cada cena
separadamente. A forma como a história é tratada, é como se a cada duas ou
quatro páginas, houvesse um “fade” (sem trocadilhos, hehehe) na trama, de modo
à situar o leitor em outra cena.
Tudo nessa revista agrada, seja o
acabamento gráfico simples, mas competente, a diagramação, o papel, os “extras”
da revista, etc. Um bom exemplo de como pode ser uma HQ simples, sem grandes
inovações estilísticas. Mas com a preocupação de ter uma bela narrativa.
Ao terminar de ler, tive a
impressão de ver uma HQ que usa perfeitamente o conjunto roteiro estruturado,
direção segura e precisa, com atores agindo de forma natural, embalado em uma
perfeita fotografia, com um ritmo perfeitamente editado. Só faltou uma trilha
sonora. Mas sonoplastia, o leitor com certeza vai conseguir imaginar a sua
perfeita ao ler essa HQ.
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